sexta-feira, 14 de março de 2014

SENTENÇA NA ÍNTEGRA FAIVE 2001/2008

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO ingressou com a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de ÂNGELO CESAR MALACRIDA e outros alegando, em resumo, que, conforme documentação e testemunhos colhidos no inquérito civil que instrui os autos, durante a organização e realização das Feiras Agropecuárias dos anos de 2001 a 2008, realizadas neste município de Presidente Venceslau, foram cometidas diversas irregularidades, tais como a contratação de empresas sem prévia licitação, a concessão de privilégios imorais a certas pessoas físicas e jurídicas, a utilização indevida de funcionários públicos, a cessão gratuita e ilegal de espaço público para aproveitamento econômico de particular e, ainda, o descontrole de receitas/gastos. Sustenta a responsabilidade dos réus Angelo e Osvaldo, pois prefeitos à época dos fatos, tendo, inclusive, escolhido a composição das Comissões organizadoras das feiras. Também responsáveis são, segundo aduz, os réus Emilson e Marcos, já que presidiram referidas comissões. Requer, liminarmente, a decretação da indisponibilidade dos bens dos requeridos e, ao final, a condenação dos réus ao ressarcimento dos danos causados e às penas do art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa. Indeferida a liminar (fls. 6151/6152), foram os réus notificados (fls. 6165, 6171 e 6174). Em resposta, os requeridos Osvaldo e Ângelo sustentaram a incompetência do juízo, a ocorrência da prescrição, a inexigibilidade de licitação nos casos narrados na inicial e, por fim, a não caraterização do ato de improbidade, pois agiram sem dolo (fls. 6176/6206 e 6213/6238). Já os requeridos Emilson e Marcos aduziram a inépcia da inicial, a incompetência do juízo e, por fim, a inexistência de ato de improbidade administrativa (fls. 6244/6263 e 6276/6294). A decisão de fls. 6362/6363 afastou as preliminares arguidas e recebeu a inicial. O réu Osvaldo interpôs agravo retido contra tal decisão (fls. 6372/6382). Intimados por seus advogados constituídos, os réus ofertaram contestações a fls. 6432/6462, 6464/6478 e 6479/6493. Emilson Carlos Soriano e Marcos Vinicius Soriano alegaram, em resumo, que agiram pautados pela boa-fé, despidos, assim, de dolo ou culpa grave, elementos estes imprescindíveis à caracterização do ato de improbidade que lhes é imputado. Asseveraram terem se limitado a proceder da forma como, em verdade, já vinha sendo feito há anos (desde 1976), procedimento que, inclusive, encontrava amparado em decretos do Poder Executivo e Leis municipais. Trabalharam sem nada auferir, contribuindo para o sucesso das Feiras. Foram prestadas contas das despesas e receitas auferidas, com aprovação das contas pelo Poder Executivo e pelo Tribunal de Contas. Quanto às licitações, embora ausente procedimento licitatório formal, eram sempre realizadas prévias cotações de preços. A exclusividade concedida à empresa Leilosul, de propriedade dos contestantes, além de ser anterior ao período em que estes estiveram na presidência da Comissão, ainda teve respaldo legal, pois autorizada pela Câmara e, posteriormente, regulamentada por decreto do Executivo local. Sustentaram os contestantes Emilson e Marcos, ainda, a inexistência de dano ao erário, até porque os repasses feitos pela Prefeitura destinavam-se, exclusivamente, ao pagamento dos artistas (shows), sendo que os demais gastos foram custeados com a própria receita da Faive, gastos sempre precedidos de procedimento destinado à apuração do melhor custo-benefício, tanto é que as prestações de contas foram aprovadas pelo TCE. Acrescentaram que sempre houve superávit, cujos valores foram utilizados nas feiras dos anos seguintes ou em benfeitorias realizadas no próprio recinto da Feira. Ângelo sustentou, por sua vez, que seguiu o modelo implantado desde 1976 e que efetuou um único repasse à Comissão, no importe de R$ 60.000,00, sobre o qual se aplicava a hipótese de inexigibilidade de licitação prevista no artigo 25, III, da lei 8666/93. A comissão da FAIVE era dotada de plena autonomia, não havendo interferência do Executivo em suas decisões. Aduziu, ainda, ter agido sem dolo, razão pela qual não se configurou ato de improbidade. O réu Osvaldo apresentou, em sua resposta, idênticos argumentos aqueles colacionados por Ângelo, acrescentando, ainda, que nos anos de 2002, 2003 e 2004 não efetuou repasses às Comissões da FAIVE. O Ministério Público manifestou-se em réplica (fls. 6495/6496). Os réus Ângelo e Osvaldo juntaram novos documentos (fls. 6499/6515), sobre os quais se manifestou o autor a fls. 6534. É o relatório. Fundamento e decido. Preliminarmente, diante dos comprovantes de Imposto de Renda juntados aos autos (fls. 6518/6523 e 6525/6530), defiro aos réus Ângelo e Osvaldo os benefícios da gratuidade processual. O feito comporta imediato julgamento, pois prescindível a produção de novas provas, já que os fatos efetivamente controvertidos são suscetíveis de comprovação unicamente por prova documental pré-constituída. Analisado o conjunto probatório amealhado aos autos, não obstante os argumentos trazidos pela combativa defesa dos réus, entendo que os pedidos iniciais são procedentes. De fato, a análise detida do feito indica a ocorrência de atos de improbidade fundados em quatro circunstâncias fáticas distintas, a saber: a-) nomeação de particulares para gerir dinheiro público e administrar evento também de natureza pública; b-) dispensas ilegais de licitações; c-) falta de controle no emprego do dinheiro público; d-) repasse indevido de valores a particulares. Os réus Osvaldo Ferreira Melo e Ângelo César Malacrida ocuparam o cargo de prefeito municipal de Presidente Venceslau, respectivamente, nos anos de 2001 a 2004 e de 2005 a 2008. Osvaldo e Ângelo, enquanto prefeitos municipais e por meio de sucessivos decretos, nomearam os requeridos Emilson e Marcos para presidir as Feiras Agropecuárias realizadas nos períodos acima indicados. As comissões organizadores das Feiras (FAIVE) agiam em nome do Município, tanto que os gastos que contraíam, se não quitados na data avençada, eram (ou deveriam ser) cobrados diretamente do Município. As Feiras, ou suas respectivas Comissões Organizadoras, não tinham personalidade jurídica própria, motivo pelo qual, inclusive, sempre se utilizaram, em suas contratações, do CNPJ da Prefeitura local. Seus organizadores eram, desta maneira, meros prepostos, servindo, em verdade, como uma espécie de “longa manus” do Poder Executivo local. Em consonância com a conclusão acima estão inúmeros acórdãos do Colégio Recursal desta 28ª Circunscrição Judiciária, todos reconhecendo a legitimidade passiva do Município para responder diretamente pelos débitos contraídos pelas Comissões Organizadoras da FAIVE. Ainda a respeito, decidiu a Eminente Desembargadora Maria Laura Tavares, no julgamento da Apelação nº 0003678-78.2013.8.26.0483 (j. 14 de janeiro de 2014 destaques próprios): No caso dos autos, restou incontroversa a prestação de serviços, devendo a Municipalidade efetuar o pagamento na forma estabelecida contratualmente, sob pena de ocorrer seu enriquecimento indevido, o que é expressamente vedado pelo artigo 884 do Código Civil. Não há controvérsia sobre o efetivo cumprimento das obrigações constantes do contrato firmado com a comissão organizadora da XXXVI FAIVE (fls. 20/23), constituída por Decreto pela Municipalidade de Presidente Venceslau (fls. 28/31), o que torna certa a obrigação da ré ao pagamento, ainda que não se tenha notícia de ter sido o seu valor objeto de empenho. A própria Municipalidade não questiona a efetiva prestação dos serviços contratados, limitando-se a sustentar a sua ilegitimidade para figurar no polo passivo desta ação de cobrança, batendo-se pela responsabilização da comissão organizadora, que não possui personalidade jurídica, ou dos integrantes que a compõem, olvidando-se do dever de responder pelos atos de seus prepostos e pelas obrigações assumidas por seus nomeados. Observo que o fato de o contrato firmado pela comissão executiva ostentar o brasão da Municipalidade de Presidente Venceslau, assim como os documentos de fls. 35 (recibo) e 37 (encarte), comprova suficientemente a participação daquele ente público na realização do evento, não sendo possível admitir a preliminar de ilegitimidade passiva. Portanto, o que se percebe, no caso, é que os réus delegaram a particulares, por meio de mero decreto (não se firmou, sequer, um termo de parceria, com distribuição clara de responsabilidades), atividade pública, de responsabilidade originária do Município de Presidente Venceslau. Não bastasse, conforme resta incontroverso nos autos, o Poder Público Municipal ainda cedeu a tais particulares área pública, servidores municipais e, pior, repassou a eles valores consideráveis, permitindo, inclusive, que firmassem contratos em nome do Município (contratações que, conforme se demonstrará abaixo, não vieram acompanhadas de qualquer espécie de controle). Inadmissível a referida delegação anômala a “extraneus”, formalizada em mero decreto e, mais do que tudo, feita, curiosamente, em favor dos sócios da sociedade beneficiada por uma imoral exclusividade na realização dos leilões de gado que se deram no curso e no ambiente das Feiras Agropecuárias. A atitude em análise implica em latente ofensa aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência, e, consequentemente, em grave ofensa ao art. 37, “caput”, da Constituição Federal. O princípio da legalidade, conforme ensina Celso Antonio Bandeira de Mello, é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática (Curso de Direito Administrativo, 18ª ed., p. 92). Entretanto, não há lei municipal autorizando a delegação da organização da FAIVE a particulares (fls. 258). Daí se infere, sem necessidade de grandes dilações, o desrespeito ao princípio da legalidade, pois agiu a Administração Pública, no ponto em discussão, despida de supedâneo legal. Por outro lado, segundo o princípio da moralidade, ainda em consonância com os ensinamentos do referido autor, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos (op. cit., p. 109). Se delegar a particulares um evento público já feriria princípios éticos, delegar justamente aos maiores interessados em tal evento (sócios da sociedade responsável por promover, com exclusividade, durante a feira, os leilões de gado), é medida de imoralidade gritante e repugnante. Em termos simples, o princípio da impessoalidade significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear seu comportamento (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 24ª ed, p. 68). Ora, não resta dúvida de que, no caso, a Administração, ao escolher a dedo os dois presidentes das Comissões, permitindo que eles organizassem a Feira na qual, repito, seria realizado o leilão de gado de seu único interesse, incorreu em infração ao princípio da impessoalidade. Por fim, é evidente que os réus Ângelo e Osvaldo, ao delegar a terceiros estranhos à Administração Pública, a administração das Feiras e a consequente gerência de recursos públicos (sem qualquer controle concomitante aos gastos, contratos e arrecadação), não agiram como bons administradores, do que, por fim, bem se infere a ofensa ao princípio da eficiência. A ofensa aos princípios acima implica em ato de improbidade previsto no art. 11 da lei 8.249/92. Acrescento que, no caso em análise, os réus agiram com dolo, consistente na violação deliberada e consciente do dever jurídico. De fato, não tenho dúvidas de que os réus Ângelo e Osvaldo, por comodidade ou para favorecer os correqueridos, se desviaram intencionalmente de seu caminho legal, beneficiando os últimos, de modo a estar plenamente caracterizado o dolo. Ainda aqui destaco ser irrelevante a inexistência de prejuízo ao erário, já que não constitui este requisito para a caracterização do ato previsto no art. 11 da lei de regência: É pacífico nesta Corte Superior entendimento segundo o qual, para o enquadramento de condutas no art. 11 da Lei n. 8.429/92 (tipo em tese cabível à presente hipótese concreta), é despicienda a caracterização do dano ao erário e do enriquecimento ilícito. Precedentes. (STJ - REsp 1163499/MT Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES - SEGUNDA TURMA - DJe 08/10/2010). Aliás, a irrelevância tanto da inexistência de lesão quanto da aprovação das contas pelo TCE resta clara no art. 21 da lei 8.429/93, com a redação dada pela lei 12.120/09. O segundo ato de improbidade consiste na dispensa ilegal de licitação. Dispõe o artigo 2º da lei 8666/93: As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. No caso, os próprios réus admitiram que, inobservando o dispositivo acima, não realizaram uma única licitação para a realização de compras, contratação de serviços e concessão dos espaços públicos (em especial da exploração do estacionamento das Feiras), ainda que, como exaustivamente dito, os contratos tenham sido feitos em nome e à custa do Município. Dizem os requeridos Emilson e Marcos que realizaram algumas cotações, procedimento que nem de longe atende as finalidades da lei de licitações, pois não é dotado de ampla publicidade, muito menos permite a isonômica participação de todos os possíveis interessados (ao contrário referido modo de proceder autoriza a escolha dos contratantes, permitindo favorecimentos e implicando, por consequência, no distanciamento da melhor proposta possível). Observo que, conforme os recibos que acompanham o Inquérito Civil trazido com a inicial, assim como a teor dos documentos de fls. 393, 398, 469/484 e 538/623, inúmeros contratos extrapolam o limite previsto no art. 24, II, da lei 8666/93. E mesmo para os contratos de valor inferior, não houve prévio procedimento de dispensa, conforme exigência legal. Não convence o argumento de que os valores dos repasses eram destinados aos shows. Todos os contratos firmados (e não apenas os que visavam a contratação dos artistas), conforme demonstrado acima, tinham por contratante o Poder Público, pois as Comissões agiam em nome deste. Daí porque deveriam ser licitados. Ademais, não houve a inserção nos repasses de destinação específica e, ainda que houvesse a alegada destinação, controle algum foi mantido acerca dos gastos com eles realizados. De qualquer modo, os réus se esquecem que não apenas os valores repassados devem ser considerados, mas também toda a arrecadação proveniente da venda de ingressos e patrocínio, dada a natureza pública de todas estas receitas. A indevida inexistência de licitação tipifica o ato de improbidade descrito no art. 10, VIII, da Lei de Improbidade Administrativa: frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente. De fato, como bem pontua Waldo Fazzio Junior, dispensar indevidamente licitação, em qualquer de suas modalidades, implica extrapolar os casos legais de dispensa, contratando diretamente obra ou serviço, quando a lei exige competição em busca do melhor negócio (Improbidade Administrativa, 2012, p. 271). É justamente o que ocorreu. Da ilegal dispensa surge, por implicação automática da lei de regência, o ato de improbidade ocasionador de dano ao erário: a atuação ímproba do agente público consiste, em resumo, na frustração de uma licitude que deveria resguardar; na dispensa do que não pode ser dispensado; ou na inexigência do exigível (Waldo Fazzio Júnior, op. cit, p. 255). Repito que a hipótese insere-se nos atos que implicam em prejuízo ao erário, até porque ao frustrar a licitação, os réus obstaram a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável (Lei 8666/93, art. 2º). E na medida em que se está diante de ato tipificado no sobredito artigo 10, é irrelevante a existência de dolo, bastando mera culpa, a qual resta evidenciada, no caso concreto, pela infração frontal e clara à lei de licitações. Novamente valho-me da lição do prelecionado autor Waldo Fazzio Júnior: a conduta que caracteriza a improbidade administrativa lesiva ao erário, expressa no art. 10 da lei nº 8.429/92, pode ser qualquer ação ou omissão dolosa bem como qualquer ação ou omissão culposa. Também são ímprobos o relaxado e o desidioso. Não tanto quanto os que laboram nos domínios da má-fé, mas tão prejudiciais quanto. Deixar as portas abertas e abrir as portas, nessa área, proporcionam os mesmos resultados nocivos (op. cit., p. 204). No mais, reputo irrelevante a regular prestação dos serviços (e mesmo o sucesso da Feira): desfaçatez mais é, ainda vir a Juízo, pretextar que os serviços foram prestados, como se os princípios constitucionais, a ordem jurídica, a legalidade e a moralidade pudessem ficar à mercê de argumentos tão pragmáticos e tão convenientes aos interesses dos co-réus. (TJ/SP, Ap. n° 659.892-5/9-00, j. 04.12.07). Não posso deixar de anotar que a falta de licitação e a delegação de atividade pública a particulares implicou na celebração de inúmeros contratos elaborados em inobservância aos requisitos e às cautelas da lei 8.666/93. A respeito decidiu-se em caso similar: A ilegalidade do "contrato" é manifesta, uma vez que simples comissão organizadora de evento não detém poderes para pactuar em nome de ente público, além de, evidentemente, preterição do certame licitatório. (TJ/SP, Ap. n° 659.892-5/9-00, j. 04.12.07). Passo ao terceiro ato de improbidade: falta de controle nos gastos e na arrecadação provenientes das Feiras realizadas no período em discussão nos autos (anos de 2001 a 2008). Conforme conclusão da autoridade policial que presidiu o Inquérito relacionado aos fatos ora em análise, houve evidente falha na gestão do dinheiro público, dado o descontrole quanto aos gastos públicos e arrecadação provenientes das Feiras Agropecuárias (FAIVES) realizadas entre os anos de 2001 e 2009: encerrada a instrução criminal na fase policial conclui-se pela configuração de irregularidades na gestão de verba pública, prevista em lei orçamentária anual, destinada à realização do evento “Feira Agropecuária e Industrial de Presidente Venceslau (FAIVE)” (fls. 173). Consta dos autos que entre 2001 e 2008 foram realizados repasses pela Prefeitura local à Comissão da Faive no total de R$ 145.000,00, desconsiderada, ainda assim, a incidência de correção monetária. Tem-se nos autos que a prestação de contas das Feiras ficou a cargo exclusivo das Comissões Organizadoras. O Município, após o repasse, não efetuou qualquer controle de gastos, muito menos acompanhou os valores arrecadados que eram (ou deveriam ser), por evidente, de sua titularidade. Em perícia realizada pelo Instituto de Criminalística, conclui-se que o balanço oficial feito em 2008 contém grave erro e que nos anos de 2002, 2004 e 2007 sequer foi realizado balanço geral das despesas e ganhos provenientes das Feiras Agropecuárias realizadas naqueles anos: A publicação de fls. 237/verso informa os resultados dos balancetes da FAIVE durante o período de 2000 a 2008. Confrontando os resultados das cópias dos balanços gerais dos anos de 2001 (fls. 077), 2003 (fls. 088), 2005 (fls. 106), 2006 (fls. 127) e 2008 (fls. 128) com a publicação supracitada, constatou-se que apenas no exercício de 2008 houve uma discrepância entre o saldo final do balanço oficial e o valor publicado, ou seja, na contabilidade oficial o superávit foi de R$ 1.456,54 enquanto que o saldo publicado foi de R$ 64.175,43. Não existem nos autos os balanços dos anos de 2000, 2002, 2004 e 2007, motivo que impossibilitou a realização dos confrontos nesses exercício (fls. 127). A referida perícia, aponta, ainda, diversas irregularidades nos balanços de 2003 e 2008, conforme item “e” de fls. 127. Aliás, o perito conclui que não existem nos documentos contábeis autuados informações que possam identificar com exatidão a origem dos valores apontados nas contas e nos balanços anuais supracitados (fls. 128), o que demonstra, sem qualquer dúvida, a absoluta falta de controle sério do Município quanto aos gastos/ganhos provenientes dos eventos em comento, em flagrante infração, aliás, à lei municipal 2.352/03. Portanto, fato é que, em infração visível aos princípios da legalidade e da eficiência, e em prejuízo do erário público, abstiveram-se os Administradores Públicos de acompanhar a gerência do evento, deixando isto ao bel prazer de particulares, tanto é que os próprios réus Osvaldo e Ângelo alegaram, em suas contestações, que todas as decisões na realização das Feiras eram tomadas exclusivamente pelos corréus Emilson e Marcos, sem ingerência da Prefeitura. Passo, finalmente, ao último ato de improbidade, talvez o mais grave: irregular repasse de verbas públicas a particulares. Conforme documentos de fls. 35, 349, 535, 536 a Prefeitura Municipal realizou os seguintes repasses às Comissões Executivas da Faive, nos anos objetos da presente demanda: a-) 2001 R$ 20.000,00; b-) 2007 R$ 60.000,00; c-) 2008 R$ 65.000,00. Ocorre que tais repasses não encontram suporte na legislação orçamentária, muito menos tinham autorização específica do Poder Legislativo. Não se vislumbra, ainda, nota de empenho prévia ao gasto respectivo ou fiscalização a respeito de sua destinação e efetivo emprego. Justamente por isto, entendo ter havido, neste ponto, nova infração ao artigo 10 da lei de improbidade, mais precisamente ao seu inciso XI: liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para sua aplicação irregular. De fato, o processo de liberação e aplicação de verba pública não é aleatório. Depende do que ficou aprovado na legislação orçamentária a que está sujeito o ente federativo e, bem assim, de diversas normas fiscais e de finanças públicas. Quem disponibiliza verba pública ou interfere para que seja aplicada em desconformidade com as normas orçamentárias, sem duvida se conduz com improbidade (Waldo Fazzio Junior, op cit, p. 238). Em uma conta rápida, desprovida de atualização, percebe-se que o repasse irregular de verba pública implicou em prejuízo ao Município de R$ 145.000,00. Não ignoro que todos os quatro réus disseram ter observado o formato adotado no Município desde 1976. Ocorre que o costume não revoga lei, muito menos a Constituição Federal. Um erro não justifica o outro e o fato de outros administradores serem ímprobos não afasta a improbidade imputada aos réus. Pela lógica destes, aliás, o repugnante costume brasileiro de “dar uma gorjeta” ao policial rodoviário após ser flagrado em uma infração revogaria, nesta hipótese específica, o tipo penal que prevê o crime de corrupção passiva. É certo que não! Provados os atos de improbidade, passo a dosar as penas a serem aplicadas. Inicialmente observo que em relação ao réu Osvaldo há de ser reconhecida a prescrição, salvo em relação à reparação dos danos causados ao erário (CF, art. 37, §5º). Isto porque, o referido réu encerrou seu mandato eletivo como prefeito municipal em 31.12.04. Assim, conclui-se pelo decurso do prazo previsto no art. 23, I, da lei de Improbidade Administrativa no ano 2009, o que afasta a incidência de outras sanções, salvo a referida reparação dos danos. Não bastasse, anoto que a responsabilidade deve ficar adstrita aos anos em que os réus Osvaldo e Ângelo exerceram os cargos de prefeito municipal e, ainda, nos quais Marcos e Emilson estiveram à frente das Comissões. Não há razão para que todos os réus respondam pelo período inteiro, compreendido entre 2001 e 2008, inclusive pelos anos em que não concorreram para os atos de improbidade. A extensão da responsabilidade, tal como pretendida pelo Ministério Público, é de flagrante impossibilidade jurídica. Assim sendo, os réus responderão pelos atos de improbidade e pelo prejuízo causado, observados os seguintes parâmetros: a-) O réu Edmilson responderá pelos anos de 2000 a 2006 e 2008; b-) o réu Marcos responderá unicamente pelo ano de 2007; c-) o réu Osvaldo responderá pelos anos de 2001 a 2004 (responsabilidade adstrita, como dito, ao prejuízo causado); d-) o réu Ângelo responderá pelo período compreendido entre 2005 e 2008. A primeira sanção a ser aplicada, decorrente do art. 5º da lei de regência, é o ressarcimento do prejuízo ao erário. Aqui entendo, no entanto, equivocados os parâmetros trazidos pelo Ministério Público. O prejuízo sofrido efetivamente pela Municipalidade, com a equivocada forma de realização das Feiras, consiste apenas nos valores repassados às Comissões. Bem ou mal o restante dos gastos foram custeados com os valores obtidos pelas Comissões através de patrocínios e venda de ingressos. Os contratos firmados no período em questão foram adimplidos e os serviços prestados pelos contratados ensejaram certo ganho com os mencionados patrocínios e vendas, de modo que os valores puros dos contratos (sequer especificados na inicial), não servem de norte decisório. Não se diga que os repassas não constituem prejuízo. Em primeiro lugar, como dito acima, foram eles feitos de forma irregular. Não poderiam ter sido feitos, e, se efetivamente não tivessem ocorrido, ainda comporiam o patrimônio público. Ademais, é inaceitável que evento delegado a particular e no qual são recolhidas receitas com patrocínio e venda de ingressos ainda dependa de repasse direto de verba do Município. Se isto ocorreu é porque houve má-administração pelos então presidentes das Comissões. Os corréus Edmilson e Marcos deveriam, ao menos, já que procederam à gerencia do evento como se este fosse particular, e, ainda, considerando que se valeram de espaço público (sem despesa com locação), ter logrado alcançar o sustento próprio das Feiras, sem depender de verba suplementar. Assim, aqui aponto as responsabilidades pelo ressarcimento: pela restituição do repasse realizado no ano de 2001 (no importe de R$ 20.000,00) responderão os réus Osvaldo e Edmilson, de forma solidária; pela restituição do repasse realizado em 2007, no importe de R$ 60.000,00, responderão, solidariamente, os réus Ângelo e Marcos; por fim, a restituição do repasse feito em 2008, no importe de R$ 65.000,00, ficará a cargo dos réus Ângelo e Edmilson, os quais responderão, também aqui, solidariamente. Passo à análise do valor da multa a ser aplicado, que, no caso, atento ao art. 12, II, da lei 8.249/92, pode ser de até 2 vezes o dano causado ao erário. Nesta etapa, atentando-me ao caráter pedagógico da multa e, em especial, ao princípio da razoabilidade, entendo importante especificar o grau de gravidade dos atos de improbidade praticados pelos réus. O réu Marcos faz jus a sancionamento menor, pois presidiu a Comissão da FAIVE em um único ano. Edmilson merece sanção maior, pois presidiu a Comissão por sete anos, concorrendo, por longo período, para os atos de improbidade. Ângelo, apesar de ter concorrido para as improbidades por apenas 4 anos, exerceu o cargo de prefeito municipal, o qual lhe impõe maior apego aos princípios da Administração Pública e, ademais, maior cautela no emprego do dinheiro público. Por fim, não posso ignorar que, conforme decidido no início, Ângelo é pessoa pobre (na acepção jurídica do termo) e Edmilson, ao contrário, é conhecido empresário da região. A retribuição própria da multa acarreta, neste sentido, uma atenuação para o primeiro e aumento para o segundo, sob pena de tornar-se a pena exagerada no primeiro caso e risível no segundo. Dadas as circunstâncias acima, entendo razoáveis as multas nos seguintes valores: para o réu Edmilson no importe de 100% do dano (atualizado) que causou ao erário público; para o réu Ângelo, no importe de 75% do prejuízo atualizado que causou ao erário; para o réu Marcos, no importe de 50% do prejuízo atualizado que causou ao erário. A proibição do direito de contratar com o Poder Público ou receber incentivos é pena com prazo legal certo e que se mostra razoável diante das circunstancias concretas. Por fim, entendo ainda cabível a suspensão dos direitos políticos dos réus, pois compatível com o número e gravidade dos atos de improbidade perpetrados e, ainda, imprescindível para evitar danos futuros ao erário, afastando os réus, ainda que por breve espaço temporal, de qualquer vínculo com a administração. Anoto, apenas, que o período de suspensão deverá ser o mínimo legal. Mais do que isto é exagero distante das circunstâncias concretas, em especial se considerarmos a soma de todas as penalidades aplicadas. Ante todo o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos para o fim de reconhecer a prática dos atos de improbidade imputados aos réus, previstos nos arts. 10 e 11 da Lei 8.249/91, aplicando-lhes as seguintes penas: 1-) Os réus Osvaldo e Edmilson deverão restituir ao Município o valor objeto do repasse realizado no ano de 2001, no importe de R$ 20.000,00; 2-) Os réus Ângelo e Marcos deverão restituir ao Município o valor do repasse realizado em 2007, no importe de R$ 60.000,00; 3-) Os réus Ângelo e Edmilson deverão restituir ao Município o repasse feito em 2008, no importe de R$ 65.000,00; 4-) As obrigações acima são solidárias entre os respectivos devedores e deverão ser acrescidas de correção monetária a contar da data na qual efetivado o repasse e de juros moratórios de 1% ao mês desde a citação; 5) condeno o réu Edmilson ao pagamento de multa correspondente a 100% do dano (atualizado) que causou ao erário público (soma dos itens 1 e 3); 6) condeno o réu Ângelo ao pagamento de multa no importe de 75% do prejuízo atualizado que causou ao erário (soma dos itens 2 e 3) 7) condeno o réu Marcos ao pagamento de multa no importe de 50% do prejuízo atualizado que causou ao erário (item 3). 8-) Condeno os réus Ângelo, Marcos e Edmilson à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de cinco anos; 9-) Suspendo os direitos políticos dos réus Ângelo, Marcos e Edmilson pelo prazo de cinco anos. Os réus arcarão com o pagamento das custas e despesas processuais, observado, em relação aos requeridos Ângelo e Osvaldo, o disposto no art. 12 da lei 1060//50. Com o trânsito em julgado, informe-se a Justiça Eleitoral. P.R.I. - OBS: Preparo no importe de R$ 4.532,41 (Guia GARE - Cód. 230-6); porte de remessa e retorno no importe de R$ 973,50(33 volume-Guia FEDTJ - Cód. 110-4).

Hoje os valores atualizados giram em torno de 750 mil reais!!!

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